Como lidar com a precificação em tempos de inflação?

Nesta entrevista Henriley Domingos, Sócio Fundador da DOC CONSULTING, fala um pouco sobre a inflação e desse momento turbulento na economia

Não é segredo que vivemos atualmente um período de inflação em amplitude global, que mesmo com diferentes pesos, gera impactos no nível de consumo na maior parte dos países.

Vários fatores contribuíram para este ambiente econômico bastante desafiador, muitos deles relacionados à pandemia de Covid-19, como a redução do consumo de bens e serviços não essenciais por parte da população, a necessidade de isolamento das pessoas impactando a execução de serviços e a produção das indústrias como um todo, o desequilíbrio no mercado de trabalho gerado pelo número de negócios fechados por falta de fôlego para suportar custos sem a receita correspondente, etc.

A guerra na Ucrânia e a instabilidade política, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, serviu para complicar ainda mais a situação. Por conta disso, a cada quatro economias avançadas, três têm inflação que ultrapassa 5%. Em mais da metade dos mercados emergentes a taxa está acima de 7%, e no Brasil, o acumulado do ano do IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, o principal índice de inflação – chegará a 6%.

Tendo este cenário como pano de fundo, entrevistamos Henriley Domingos, Sócio Fundador da DOC CONSULTING, que respondeu a algumas questões sobre o momento econômico que estamos presenciando, o processo inflacionário no Brasil, e como as organizações, principalmente da cadeia de suprimento de bens de consumo, estão atravessando este período e o que podem fazer para enfrentá-lo com mais tranquilidade.

Como você vê o ambiente de inflação global que atravessamos? O que de diferente acontece no Brasil com relação a este cenário?

[Henriley Domingos]: Temos algumas razões fundamentais para isto. Com a pandemia de Covid-19 tivemos um represamento do consumo, boa parte do varejo fechou, e tivemos em diferentes níveis o lockdown, com as famílias consumindo muito menos os itens não fundamentais. O consumo foi muito afetado, e apesar de ser uma crise sanitária mesmo itens relacionados à saúde foram impactados – por exemplo, com as pessoas em casa e se expondo menos o consumo de antivirais no inverno ficou bem abaixo de outros anos.

Depois, com o início da retomada pós pandemia, ganhos de eficiência que reduziram custos e potencializavam negócios foram revertidos, matérias primas e insumos foram disponibilizados em menor escala, operações de logística precisavam de tempo para se recompor e as cadeias de produção começaram a enfrentar gargalos. Isso criou uma ruptura entre oferta e demanda em vários setores, e como consequência, tivemos a aceleração da inflação.

Tudo isso causou uma recessão econômica, afetando financeiramente todos os setores em nível global.

No Brasil um agravante foi o aumento de custos fundamentais para a geração de consumo, como energia e gasolina. Com isso, todos sentiram uma maior dificuldade na hora de produzir, e a partir disso os novos valores precisaram ser repassados ao consumidor.

Aqui também houve um outro ponto importante: no período de pandemia existiu um ‘acordo’ entre a indústria e o varejo para não subirem os preços. E caso, algum player da indústria tentasse um aumento, o varejo simplesmente não comprava. Também foram postergados aumentos de medicamentos nesse período, fugindo do ciclo natural do mercado. Passado este período, havia um represamento nos preços, e uma hora a conta chega.

O que os outros países estão fazendo para navegar neste período inflacionário? E o que o Brasil vem fazendo de diferente para lidar com a inflação dentro da cadeia de consumo?

[Henriley Domingos]: Uma medida padrão que os países adotam em tempos de inflação é aumentar as taxas de juros e no Brasil não foi diferente. O brasileiro porém tem uma habilidade maior em lidar com a inflação e recessão pelo histórico recente do país. O consumidor entende o ambiente inflacionário e espera algumas mudanças. Em outros países, com uma economia mais forte, o consumidor não vê esta situação como algo simples.

Nesses países, o modelo vigente não está preparado para enfrentar um período inflacionário, não há regulamentações ou procedimentos que combatam a inflação, como por exemplo movimentos de reajuste salarial ou até órgãos de defesa do consumidor consolidados e atuantes, para combater abusos. O consumidor e as empresas se assustam com a situação e não estão acostumados a lidar com ela.

Na América Latina como um todo o contexto é diferente, porque a dificuldade econômica já é naturalmente maior, algumas crises já existiam e a população e empresas têm experiência para tratar isto no dia-a-dia. Em várias economias desenvolvidas, ainda é necessário um tempo de resposta maior para esta situação.

No Brasil percebo outra questão importante relacionada a lidar com este período inflacionário: Percebo que aproximadamente 80% das empresas no país tem dificuldade na gestão e formação de preços, seja por falta de ferramentas, seja por falta de processos e métodos, e o problema delas fica maior ainda quando têm que gerenciar isso com inflação.

O que fazer com relação a este desafio da inflação no aspecto de precificação nas empresas?

[Henriley Domingos]: Primeiramente, é preciso entender em que estágio a empresa está com relação a formação de preços, isto vai dar uma ideia do tamanho do problema que elas têm que enfrentar.

A forma mais simples que as empresas usam no Brasil é o mark-up, método que simplesmente repassa os custos, ou os aumentos destes custos, e as consequências disso podem ser bastante prejudiciais. Este é um modelo arriscado de precificação, porque você pode estar trabalhando por um preço que pode não ser o melhor para a rentabilidade da empresa.

O segundo método é o competition based, modelo de precificação a partir da análise dos concorrentes. É uma estratégia mais difícil de usar, porém também é muito praticada no Brasil. Com esse modelo, é essencial ter uma estrutura para buscar e analisar dados, e em períodos inflacionários a complexidade disso aumenta. Em geral é necessário trabalhar com um INDEX, por exemplo, você decide precificar 10% mais barato que meu concorrente – e o esforço para monitorar e calcular isto, com inflação, fica mais difícil. Além disso, se seu concorrente não estiver correto, e quebrar, você vai quebrar com ele. Vou dar um exemplo que já vi no mercado: seu concorrente tem fluxo de caixa para manter um estoque alto e evitar aumentos de custos, e você não, então ele manteve preço baixo por mais tempo do que você deveria, gerando problemas internos importantes relacionados a seu caixa.

Agora, o modelo de precificação por valor é superior a estes anteriores, e tem vantagens principalmente em períodos de inflação.

Ele é mais eficiente porque é estruturado para mudanças mais rápidas de preço, isso já faz parte do método. Com isso é possível praticar preços mais dinâmicos, que vão ser sempre os mais adequados para determinadas situações. Exemplo disto é a precificação dinâmica do Uber, ou também as vendas de passagens aéreas, reservas de hotéis online, e mesmo alguns supermercados,  que têm descontos personalizados. Isto não significa que a empresa tem que vender mais barato, mas sim que ela tem que se organizar melhor para estar sempre ajustada ao mercado.

Outro ponto positivo desta abordagem é que ele permite lidar melhor com o novo consumidor conectado, que dispõe de muita informação e mobilidade, com celular e internet. Com isso a comparação de preços é muito mais fácil, e ter preço atualizado rapidamente é fundamental. E em tempos de inflação você não consegue gerenciar o custo de seus insumos, porém seu preço você consegue gerenciar, é uma variável controlável e otimizável, se não estiver ‘pendurada’ nos custos.

“De modo geral, na vida, a gente se preocupa muito mais com as coisas que nós não controlamos, e o que a gente consegue controlar termina deixando de ter prioridade nas preocupações.” Henriley Domingos

No panorama geral de inflação, quais tendências importantes você percebe em gestão de preços e na cadeia de consumo?

[Henriley Domingos]: Uma tendência é uma maior percepção dos preços, já que a visibilidade de preços é um fator que mostra o problema da inflação, ou seja, todo mundo fica mais atento nesse período. Outra questão que aparece mais é a dependência gerada pela globalização econômica: hoje se fala muito sobre a economia dos EUA ou como o conflito entre Rússia e Ucrânia têm afetado as indústrias no Brasil.

Outra tendência é a maior pressão no momento de se fazer escolhas, tanto do lado do consumidor quanto do lado do empresário. Estas escolhas inclusive têm reflexos importantes, e fazem com que a inflação seja diferente para cada agente ou setor.

Quais são os principais desafios ou dificuldades que os gestores da cadeia de consumo enfrentam em períodos de inflação, na sua visão?

[Henriley Domingos]: A principal dificuldade é o acesso aos dados para tomada de decisão na hora de precificar. Se a empresa não tem a informação atualizada do seu preço – que pode diferir por canais, regiões ou segmentos – e também os preços dos concorrentes numa granularidade importante, ela tem menos poder no seu método de precificação. Por exemplo: Se uma indústria não sabe os preços do seu produto em todas as regiões do Brasil, a capacidade de lidar cientificamente com a inflação é menor.

Outro desafio é o método implantado, com inflação é necessária uma maior sofisticação na gestão de preços, e muitas empresas não possuem o básico para acompanhar o mercado, que dirá discutir estratégias de precificação mais inteligentes.

Além disso os gestores têm dificuldade em momentos de inflação porque as regras mudam, antes seu concorrente aumentava preços a cada 6 meses, agora não mais, ele varia o período e fica imprevisível. Categorias mudam, produtos deixam de existir, e passa a haver muita desinformação quanto à indústria e mesmo quanto aos seus concorrentes.

Que dicas você daria para os gestores da indústria e varejo poderem enfrentar melhor este momento de inflação?

[Henriley Domingos]: Às vezes procuramos a causa de uma dor, mas nem sempre buscamos qual é a raiz do problema. A dica fundamental é: caso ainda não esteja atento às questões de política de preço e política comercial, você está lidando com a inflação de forma limitada.

Busque informações com seus clientes, os shoppers, pesquise o mercado, leia artigos, ouça podcasts e assista webinários que falam sobre o tema.

Depois que se informar mais, identifique o que é necessário mudar e atue para melhorar seu modelo de trabalho, saia da inércia! É preciso ter a vontade de implementar a mudança necessária para conseguir melhorias, tratar os aumentos de preços e a pressão dos custos de maneira inteligente, e se sobressair na gestão em um ambiente inflacionário.

No site da DOC Consulting temos muita informação sobre o assunto para ajudar você a promover a mudança e alavancar os resultados do seu negócio.

Para uma reflexão mais aprofundada, convidamos você a assistir nosso webinário Precificação em Tempos de Inflação“, onde tivemos executivos do mercado e especialistas de pricing  discutindo os desafios e as melhores práticas sobre precificação em tempos de inflação.

Precificação em tempos de inflação

Fique à vontade também para entrar em contato conosco para trocarmos ideias sobre como realizar uma precificação estratégica, mesmo durante um período inflacionário!

 

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