Neste artigo vou falar sobre estratégia, e utilizarei como referência a obra “PlayingtoWin – HowStrategyReally Works” de A.G.Lafley e de Roger L.Martin.
A.G. Lafley foi CEO da P&G por mais de 13 anos. Já Roger L. Martin, por sua vez, foi reitor da Rotman School of Management de Toronto por 15 anos. Só pelo histórico dos autores, eu já seria suspeito para comentar a metodologia proposta no livro, visto que trabalhei por 12 anos na P&G e vivenciei na prática a maioria dos exemplos citados. Além disso, tive a oportunidade de estudar na Rotman em 2010.
Independentemente de minha admiração pelos autores, acredito muito no método, que é utilizado no planejamento estratégico da DOC Consulting e também aplicado em nossos clientes. Na minha visão, esse método ainda pode e deve ser utilizado pelas empresas, mesmo considerando toda a transformação que vivenciamos em 2020 e a velocidade com que mercados, empresas e consumidores continuarão evoluindo. Gostaria muito que, após a leitura, vocês deixassem a sua opinião a respeito.
Existe uma infinidade de definições para o conceito de estratégia. Apesar de tantas definições amplamente aceitas, na prática, muitas empresas se perdem e confundem estratégia com visão, com planejamento, ou com eficiência operacional. Para Lafley e Martin:
“Estratégia é um conjunto integrado de escolhas que posiciona de maneira única uma empresa, assim como suas linhas de negócios, para criar vantagem competitiva e valor superior em relação aos seus concorrentes”
Segundo os autores, estratégia diz respeito a “vencer”, a deixar bem claro o que isso significa. Não se trata apenas de jogar o jogo, mas de jogar para vencer. E muitos líderes não se sentem confortáveis em fazer escolhas e, principalmente, não conseguem verdadeiramente definir o que é “vencer” em seus negócios. Vencer com os consumidores que importam e contra os melhores concorrentes.
Por isso a estratégia de uma empresa precisa ser um pensamento disciplinado que requer fazer escolhas difíceis para efetivamente vencer no mercado.
Estratégia é uma série integrada e estruturada de escolhas para: (1) Onde Jogar; (2) Como ganhar; (3) Competências-Chave Necessárias; (4) Sistemas de Gestão Necessários. Essas escolhas suportam a empresa no atendimento da necessidade dos consumidores, criando vantagem competitiva e valor superior para o negócio.
A estratégia deve ser um caminho para VENCER. E nada menos do que isso.
O Modelo das 5 Perguntas (5 Escolhas)
Segundo os autores, para desenvolver uma estratégia vencedora, a empresa precisa responder cinco perguntas:
- Qual é a nossa aspiração vencedora? (winning a spiration)
- Onde vamos jogar? (where to play)
- Como vamos ganhar? (howtowin)
- Quais capacidades devemos ter para ganhar? (core competencies)
- Que sistemas de gerenciamento são necessários para suportar nossas escolhas? (management systems)
Como funciona o Modelo na prática?
Apesar da ordem natural das perguntas, o processo é bastante dinâmico. Muitas vezes, os líderes da organização precisam retornar à pergunta anterior e refinar as respostas, porque um tema pode e deve influenciar diretamente nos outros.
Sabendo disso, para fins didáticos, detalharei cada uma das 5 perguntas como etapas sequenciais.
Qual é a nossa aspiração vencedora?(What is our winning aspiration?)
Sua aspiração vencedora é o objetivo orientador de sua organização – é a razão pela qual ela faz o que faz. Desta pergunta/escolha deveria ser definido o propósito da sua organização.
Lafley e Martin afirmam que você e a empresa devem sempre jogar para vencer –incentivando o pensamento ambicioso e evitando a mediocridade. No entanto, é importante lembrar que “vencer” pode significar algo diferente para cada organização.
A aspiração vencedora precisa ser significativa e poderosa. Suas ambições devem partir da necessidade de seus consumidores/clientes e de como sua empresa agrega valor para eles. “Vencer” deveria ser definido perante seus consumidores e com relação à sua concorrência.
Pense cuidadosamente sobre como sua organização quer definir “vencer”, e sobre o que você está fazendo para melhorar a vida dos seus consumidores. Desta aspiração vencedora deveriam ser extrapoladas as suas declarações de missão e visão, os objetivos e os valores da organização. Aqui você começa a definir sua Unique Selling Proposition (que será refinada enquanto passar pelo processo de cinco etapas).
Onde vamos jogar? (Where will we play?)
Nenhuma organização pode ser tudo para todos. Onde você decidir competir influenciará a estratégia que você desenvolve.
Essa pergunta/escolha define o “campo de jogo” no qual escolhermos competir: o segmento de clientes, os canais de distribuição, produtos ou serviços e geografia.
Considere as questões a seguir:
- Em quais estados, países ou regiões você deseja competir?
- Com quais grupos de consumidores você pretende atuar, que serão seu “target”? Em que segmentos de preço? Atendendo a quais necessidades?
- Que tipos de produtos ou serviços você pretende oferecer? Em quais categorias?
- Através de quais canais de distribuição você deseja vender seus produtos? Que tipos de oferta estarão disponíveis em cada canal?
“Onde jogar” é uma sequência de escolhas sobre regiões, consumidores, canais e estágios de produção que juntos reforçam a aspiração de vencer atendendo às necessidades reais dos consumidores.
Comece definindo quais os clientes/consumidores que mais interessam a você, porque o resto de suas decisões estratégicas girará em torno dessas pessoas. Quem são eles? O que eles querem? Por que e quando eles compram? Onde estão localizados? Qual é a melhor maneira de alcançá-los?
Lembre-se de que escolher onde jogar implica também em escolher onde não jogar. Para atingir a aspiração vencedora e fugir da mediocridade, a empresa deve evitar jogar em todos os campos. É impossível atender bem a todos os mercados, todas as categorias, todos os consumidores.
Mais uma vez é bom reforçar de que essas escolhas serão refinadas e revistas na medida em que você avança no processo de desenho estratégico.
Como vamos ganhar? (How will we win?)
Depois que você tem clara qual é sua “aspiração vencedora” e “onde jogar”, o próximo passo, é definir/identificar qual é a sua vantagem competitiva.
É natural que para VENCER com seus clientes-alvo, você precise criar um produto ou serviço que atenda às necessidades deles de forma excepcional e que forneça valor de uma forma exclusivamente significativa.
Mas como você pode atender a essas necessidades? A maneira como você decide atender às necessidades de seus clientes, pode se tornar a sua grande vantagem competitiva. É disso que trata a questão “How to Win” ou “Como vamos ganhar”.
O livro cita Michael Porter e as duas estratégias gerais de negócios que permitem as empresas atingirem vantagem competitiva no mercado: “Liderança de Custo” vs “Diferenciação”. Ou seja, uma das escolhas a serem feitas tem relação com seu posicionamento em relação ao “ser um fornecedor de menor custo” versus “criar um produto de valor único/exclusivo”. Evidentemente, sua escolha implicará em uma série de decisões de como a empresa é organizada.
Também é sugerido o uso de ferramentas como Análise de Cadeia de Valor para entender como sua organização cria valor para os clientes e para identificar áreas onde você pode aumentar esse valor.
Sua estratégia de GTM (go-to-market) pode também ser um diferencial competitivo, pois pode incluir parecerias estratégicas, Joint-Ventures, licenciamento, expansão por franquias, etc. Sua escolha estratégia de “como ganhar” não precisa ser “sozinho”. Em alguns casos, “dividir para conquistar” pode colocá-lo em grande vantagem.
Também é necessário entender como seus concorrentes estão jogando. Você quer competir no mesmo mercado e da mesma maneira que um concorrente forte, ou prefere assumir a liderança em um setor diferente? Em quais áreas seus concorrentes executam com excelência? Como você precisa jogar para vencê-los?
Organize informações sobre seus concorrentes. Esta inteligência competitiva é a chave para que você possa descobrir onde estão jogando, como estão jogando, e o que eles estão executando melhor do que sua empresa. A partir daí, revise sua “Proposta Única de Valor” para identificar/criar uma posição de vantagem competitiva bem-sucedida e sustentável.
Lembre-se de que “Onde vamos jogar” e “Como vamos ganhar” não são variáveis independentes. As melhores estratégias garantem que as duas escolhas se complementem e se fortaleçam. Pergunte sempre:
- Quais escolhas de como-ganhar fazem sentido com base nas escolhas de onde-jogar?
- Quais combinações de “como-ganhar” e “onde-jogar” fazem sentido, levando em consideração o contexto que sua empresa está vivendo, suas fortalezas, as tendências de mercado, etc?
Quais competências são necessárias para vencer?(What capabilities must be in place?)
Dentre todas as atividades que a sua organização está capacitada a realizar, quais são aquelas que realmente importam, que fazem a diferença para concretizar as escolhas dos três passos anteriores? Qual é o subgrupo de capacidades – ou competências – nos quais a empresa precisaria ser distintamente superior para “jogar onde planejou jogar” e “vencer como desejou vencer”?
Essas competências podem ou não estar presentes na sua empresa, por isso esta etapa do processo é chave, pois se desenha o mapa de competências que precisam ser construídas para cumprir as estratégias escolhidas.
Você precisa ter a melhor força de vendas? O produto da mais alta qualidade? A melhor tecnologia? Você terceirizará sua produção? Você tem recursos (dinheiro, fornecedores e canais de distribuição) para executar suas escolhas no mercado? Suas competências podem lhe dar uma vantagem competitiva única e sustentável?
Depois de determinar as capacidades essenciais, desenhe um plano de ação para desenvolvê-las ou aprimorá-las.
Que sistemas de gestão são necessários para apoiar nossas escolhas?(What management systems do we need?)
A última das cinco perguntas essenciais é sobre sistemas de gestão – os sistemas que constroem, apoiem e medem uma estratégia. De acordo com Lafley e Martin, a última escolha é normalmente a mais negligenciada, mas não é menos crucial do que as outras.
Do ponto de vista dos autores, a equação é simples: se você não possui sistemas gerenciais efetivos para suportar as escolhas que você fez nas etapas anteriores, sua estratégia provavelmente falhará.
Defina os Fatores Críticos de Sucesso, e coloque os sistemas para medir e informar/monitorar o desempenho deles. Revise processos motivacionais, sistemas de gestão de desempenho e sistemas de incentivo e remuneração estratégica, para assegurar a contribuição deles na sua estratégia.
Reveja os processos e sistemas que você já possui e estão funcionando. Eles são eficientes e úteis? Ajudarão você a entregar a sua estratégia de forma eficaz? O livro sugere, quando apropriado, reestruturar e reorganizar os processos, para que eles entreguem o que é necessário.
Comunique sua organização!
Ao final, recorra todo o processo das 5 perguntas e assegure-se de que a estratégia que você desenvolveu é coerente e consistente e que representa o melhor conjunto de escolhas para sua organização. Continue a refinar as respostas das 5 perguntas de Lafley e Martin até ficar satisfeito.
Finalmente, comunique sua estratégia a todos na organização. Cada pessoa deve saber e entender o que você está prestes a fazer e, o mais importante, por que você está fazendo isso. Incentive todos a fazer perguntas e a enviar sugestões sobre como implementar a estratégia efetivamente.
Conclusão
Desde que o livro foi escrito, 2013, já se percebia no mundo o aumento crescente na globalização e, portanto, na concorrência enfrentada pelas empresas. Com isso, os consumidores ficando mais exigentes e insistindo em melhor qualidade de desempenho e serviço, tudo a um preço melhor. O termo VUCA já era utilizado (emprestado do exército americano).
E a conclusão era simples: mesmo em um mundo VUCA, ter uma estratégia pode ajudá-lo a vencer. Não é uma garantia, porém pode aumentar consideravelmente suas chances de ganhar. Por outro lado, a falta de uma estratégia tem um resultado mais claro e óbvio – a derrota. Empresas sem estratégias, mais cedo ou mais tarde, morrem.
Uma grande invenção ou uma ideia sensacional de produto pode ser suficiente para criar uma empresa, construir valor e vencer no mercado por um tempo, mas para durar, a empresa por trás dessa ideia deve responder as cinco questões estratégicas que criam e sustentam a vantagem competitiva.
Faça agora o exercício. Responda honestamente, para sua própria empresa:
- Sua empresa definiu o que é vencer? Você tem clara a aspiração vencedora da empresa?
- A empresa decidiu onde pode jogar para ganhar – e, sobretudo, onde não vai jogar?
- A empresa determinou especificamente como ela vai ganhar onde ela escolheu jogar?
- A empresa identificou e construiu suas principais competências de tal forma que elas permitam sustentar suas escolhas de onde jogar e como vencer?
- Os sistemas de gestão e principais métricas da empresa, apoiam as outras quatro escolhas estratégicas?
A cascata de escolhas representa um manual estratégico para sua organização, isto é, um modelo dinâmico que demanda revisar e revisitar cada etapa. Porém, uma vez tomada à decisão da lógica estratégica em cascata, você construirá vantagem competitiva verdadeira e duradoura.
O livro ainda traz outras ferramentas, como o fluxo de lógica estratégica e o processo de engenharia estratégica reversa, que abordarei em outro artigo.
Por favor, deixe seus comentários. O que você achou da metodologia proposta? Sua empresa utiliza a metodologia ou algum outro modelo similar? Você acredita que essa metodologia ainda é válida neste momento de transformação digital que estamos vivendo? Adoraria receber seus comentários.
Nota: Este artigo foi desenvolvido pelo sócio da DOC Consulting, George Papageorgiou.